segunda-feira, 22 de março de 2010

A Memória da Tempestade (Parte 2)

Não se sabe por que, nem como, mas os anos seguintes não foram tão difíceis quanto se poderia imaginar. Até os quinze anos ele cresceu saudável e bem, acreditando naquilo que havia sempre entendido como certo.
Definir suas responsabilidades pode ajudar a diminuir o peso de certas perdas. Uma velha cicatriz, perto de seu olho, o lembrava dessa importante lição quase que freqüentemente.
Foi no final do inverno, pouco mais de doze anos depois daquela cicatriz ter sido feita, que ele decidiu ser egoísta mais uma vez. Tentou exigir do mundo algo em troca por ter cuidado dele todo esse tempo. Mas, como às vezes acontece, o destino tratou de derrubá-lo, e ele novamente se viu sangrando, dessa vez de um jeito ainda mais irreparável, dessa vez ele tinha uma responsabilidade aceita - uma responsabilidade que ele aceitou sozinho pelos dois anos que se seguiram.
Foi ao fim desses dois anos que o rapaz, pela primeira vez, encontrou seu jovem conselheiro. O bebê que nascia na primeira vez que ele sangrara. Do alto daquela rodovia, longe um do outro, eles falavam sobre a responsabilidade que ele tinha assumido, e dali era possível apontar para ela e dizer: “Aproveite o seu tempo, e a veja crescer. Quando isso acontecer, deixe-a ir.” Ele não via seu mestre, mas confiava nele. Verdadeiros mestres não precisam de rostos, nem de olhares, só de palavras. Então fez o que sabia que tinha que fazer: prepará-la para o mundo.
E todos nesse mundo deveriam saber o que é a falha, pelo menos uma vez. (continua).

quinta-feira, 11 de março de 2010

A Memória da Tempestade (Parte 1)

Há mais ou menos um ano, eu descobri uma das minhas verdades absolutas. E essa verdade que eu descobri, consegui descrever numa postagem intitulada "Na Noite da Chuva". Essa postagem fala sobre um acontecimento fantástico, uma bifurcação na estrada. Depois de quase um ano, e depois de muita coisa ter acontecido, vou contar a história que precisa ser contada.
Não é a história dessa bifurcação, e nem de suas conseqüências. É a história dos fatos que me levaram até ela. Como poesia, perdida no tempo, é hora de falar de um passado realmente distante.
No meio do barulho da chuva caindo, de alguns carros passando, uma família sob a marquize espera a calmaria pra continuar seu caminho. Um pai, uma mãe, uma menina no colo do pai, e um rapazinho, que a mãe segura pela mão. Trovões vão da terra para o céu em frações de segundo, e os olhos do menino parecem brilhar para eles.
Um ano depois, ele veria seu próprio sangue pela primeira vez, e vinha de perto dos olhos, aqueles olhos que já tinham visto tanta coisa... muito além daqueles raios. Naquele dia, nascia uma lenda.
Aquele dia era treze de maio de mil novecentos e noventa e dois. Para duas almas, era o dia um. Mas o dia um não era tão importante ainda.
O primeiro dia realmente importante ocorreu quase dois anos depois. Foi a primeira vez que o menino de sete anos se apaixonou por uma ruivinha de olhos verdes. Foi a primeira vez que tudo o que importava estava fora dele, e foi a primeira vez que aquela tempestade o deixou à própria sorte. Ainda assim, ele achava tempo para tirar as melhores notas da turma. Era a unica coisa que ele realmente fazia pra se divertir naquela época, e era a única coisa que chamava a atenção de quem ele realmente queria.
E o que parece uma eternidade para os homens no cárcere, para ele foi como um facho de luz, de uma estrela distante. E um ano se passou. Ele mudou de turma, e nunca mais viu aqueles cachos novamente. Alguns pensariam que isso era triste, e que, nessa idade, algo assim pode acabar com uma vida. Mas não foi bem isso o que aconteceu: tudo o que havia acontecido naquele ano mostrou ao garoto que, às vezes, responsabilidades são mais importantes do que aquilo que você sente em relação à elas. Os frutos que agora ele colhia vinham das notas que ele tinha tirado, e não do único par de olhos que ele via, que não possuíam cicatrizes.
Ali, naquele momento, ele fez a escolha pela responsabilidade, pela primeira vez. E nos anos que se seguiram, aqueles cadernos, aqueles livros, seriam a sua vida.
Enquanto isso, em algum lugar distante, passos de bebê eram dados...(continua).