sexta-feira, 27 de abril de 2012

L'Odisseia, Parte 2: Vigília

Continuando a narrativa dos acontecimentos da Ilíada, lá estava eu, no ônibus errado, mas a caminho de casa.
Penso eu que, às vezes, tudo o que você pode fazer para enfrentar um problema é não pensar muito nele, apenas deixar que por si só, a resposta apareça. Na maioria das vezes, não há nada mais que a gente possa fazer. Com esse pensamento eu estava ali sentado, com um problema.
Para que as pessoas que não conhecem o trecho, vou postar uma imagem aqui (Vice City é conhecida como Viçosa em alguns lugares):
Eu estava descendo, a caminho de Ubá, no ônibus errado, e já nem me lembrava disso. Já estava tomado por aquela velha sensação de retorno, de voltar aos amigos abandonados, de voltar da guerra.
Na altura de Visconde do Rio Branco, no entanto, eis o que se sucedeu: A caminho da rodoviária, o meu ônibus errado encontra o meu ônibus certo deixando a cidade. Numa rua de via dupla deveras estreita, os dois motoristas trocam dois minutos de conversa, atrapalhando o trânsito. Dois minutos a mais na Odisseia. Os dois se cruzam, e se vão. Me levanto da minha poltrona e vou ter com o motorista.
"Aquele era o meu ônibus, certo?"
Certo.
Aquele é o meu ônibus.
Uma vigília tinha se iniciado desde a minha partida. As rodoviárias de Vice City, Visconde do Rio Branco e Ubá, desde então, estavam inclinadas sobre minha poltrona como que sobre o leito de um doente. Um erro havia sido cometido, e a comunicação humana o haveria de reparar.
"O seu ônibus vai te esperar em Ubá. Acho que quinze minutos serão suficientes." Foi tudo o que eu ouvi do motorista, e foi feito.
O ônibus certo me esperou em Ubá, todos tinham sido avisados do meu pequeno engano. Já lá dentro, como se não bastasse toda a preocupação, toda a aventura que havia me guiado até lá, tudo o que o motorista ouviu do rapaz sentando na poltrona que deveria ser sua foi "...e você nem sentiu a minha falta."
O motor ligou, o ônibus certo saiu, e antes do almoço estava de volta à minha cidade natal, de volta aos amigos, no fim da Odisseia.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

L'Odisseia, Parte 1: Ilíada

Há alguns dias eu contei da minha involuntária maneira de me afastar do mundo e tentar provar uma teoria: O fato de alguém achar que eu sou bom nos tempos de chuva, mas péssimo nos tempos de Sol. Enfim, depois de algum tempo, retornei à minha rotina normal, e essa rotina envolvia, entre outras coisas, ir visitar meu pai na minha cidade natal.
Mas os deuses do destino não pareciam querer que eu retornasse. Entre eu deixar minha amada Vice City e chegar ao meu destino final em Rio Pomba, eis que uma pequena odisseia se sucedeu.
Era sábado de manhã, e contra tudo e contra todos, eu acordei cedo. Na minha passagem, estava marcado: Linha Ponte Nova/ Juiz de Fora, 9:45hs. Esse horário era estranho pra mim, que costumava pegar o ônibus das 19:40, na sexta-feira. Mas era aniversário do meu pai, era uma ocasião importante para eu voltar à vida normal.
9:40h da manhã lá estava eu na rodoviária, junto com algumas centenas de pessoas, na confusão que só o Terminal Rodoviário de Vice City pode proporcionar. Dez minutos depois, 9:50, um ônibus chega: Linha Ponte Nova/Juiz de Fora. Era, para todos fins, o meu. Me aproximo do auxiliar e fico sabendo que não era o meu - aquele ônibus era o de 9:47, e o 9:45 ainda estava a caminho. Volto para o banco onde estava sentado. O 9:47 já passou e o meu 9:45 ainda não havia chegado.
Doze minutos depois, chega outro ônibus da linha Ponte Nova/ Juiz de Fora, dessa vez o 9:45. Não haveria problema, não haveria estorvo, e eu subo no ônibus e sento na minha poltrona, como tinha feito pela última vez, noventa dias antes. Porém, com o motor já ligado, o auxiliar do 9:45 pergunta, lá da frente, se alguém estava indo para Rio Pomba. Como se tratava do meu destino, eu levantei o braço, sozinho na multidão. Eu era o único. O auxiliar, então, se aproxima da minha poltrona e diz, como se não houvesse remédio, que o 9:45 não chegaria a Rio Pomba, mas pararia duas cidades antes, em Ubá. O ônibus que eu deveria ter pegado era o 9:47.
Como não houvesse remédio, também, eu iria naquele ônibus até Ubá, e de lá, trocaria a minha passagem por uma até Rio Pomba, às 13:30 da tarde. Eu ficaria três horas a mais na estrada, e o meu reencontro com a vida estaria fatalmente atrasado. A odisseia estava começando.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Noventa Dias no Espaço

Quando alguém consegue descrever sua vida em uma frase, talvez haja algo de errado. Ninguém se imagina tão limitado na sua existência, mas muitas vezes alguém que está do lado de fora realmente consegue ver as coisas de maneira mais clara.
"Você é um farol. Quando as coisas vão mal as pessoas gostam de contar com você, e você está sempre ao lado delas. Mas quando a escuridão se vai e o sol aparece, você nunca está lá."
Com essa meia verdade nas mãos, eu não sabia até onde ela alcançava. O caso é que, desde que eu tinha ouvido isso, até algumas semanas atrás, tudo o que eu podia fazer era pensar sobre o assunto. Foi quando me apareceu a oportunidade de testar: alguns compromissos, e um belo de um acidente com óleo quente, fizeram de Vice City um exílio digno dos velhos tempos. Além da uma dúzia de pessoas que convive comigo diariamente, ligadas a mim por laços profissionais, fiquei noventa dias sem ver mais ninguém. Não visitei Belo Horizonte, não visitei Rio Pomba. Noventa dias de Vice City.
Nesses noventa dias, meu aniversário passou, um dos meus backups falhou e está me fazendo redigitar as 112 páginas do livro (a partir do pdf), e eu cuidei da minha vida, e só dela. Por três meses, o farol havia se apagado.
Nesse interim eu me lembrava de que quanto mais escuras as nuvens, mais forte eu sou, e pra onde eu olhava eu via céu azul. A felicidade, por algum tempo, me irritou. Eu descobri que tenho direito de me sentir um completo inútil em tempos de paz, e aos poucos eu deixei de me importar com isso: fui encontrando o lado bom de não ter que ajudar ninguém. Não era preciso ajudar ninguém e, por mais terrível que possa parecer, não me sentia mal por isso. Por isso eu voltei. Voltei e encontrei minha meia dúzia de pessoas importantes, de volta a alguns lugares, telefonando para outros.
E eu ouvia do outro lado da linha uma moça falando de boas lembranças vividas comigo, no tempo em que dividíamos o mesmo teto com uma família quebrada.
E eu via uma irmã brava por eu ainda não conseguir conciliar todos os aspectos da minha vida: há pessoas importantes em cada um deles que merecem o devido crédito, e há aquelas que simplesmente fazem um excelente trabalho em me manter vivo.
E eu sentia numa guria em meus braços o ódio por ter sentido saudade; em mim só ficou o sorriso magro de alguém que descobriu a falha na teoria. Dessa vez ela não precisava de mim, ninguém precisava de mim, mas eu estava lá.
Estou aprendendo a iluminar durante o dia.